cleo.junior
16-10-07, 10:33
Repórter do Diário Gaúcho experimentou por um dia o trabalho dos entregadores que desafiam o trânsito sobre duas rodas.
Por Renato Gava
O consumidor quer receber a comida quentinha, o empresário precisa entregar mais para vender mais e o motoboy precisa fazer mais entregas para aumentar a renda. Junte essa tríplice combinação a um total descaso no que diz respeito à regulamentação da profissão de entregador.
O resultado dessa fórmula é uma triste realidade: ano a ano, cresce o número de acidentes e de mortos entre os profissionais das duas rodas.
Até o dia 10 deste mês, 52 motociclistas haviam perdido a vida apenas nas ruas de Porto Alegre este ano. Uma média de mais de um por semana, mais de cinco por mês. A EPTC e o Sindicato dos Motoboys não têm números precisos, mas calculam que pelo menos 70% eram entregadores.
A reportagem do Diário Gaúcho passou um dia atuando como motoboy. Viu de perto os problemas da profissão e constatou: o sistema de trabalho é mais do que perigoso, é um convite à tragédia.
Primeiras entregas começam às 11h
Quarta-feira, 11h da manhã. Está prestes a iniciar o horário de pico de entregas de cachorro-quente, quando a principal casa do ramo em Porto Alegre começa a vender suas quase 200 unidades diárias. Com uma moto emprestada, a reportagem vai à base, na Rua Mariante, e pega as primeiras entregas. Uma na Rua Ramiro Barcellos, outra na Rua Loureiro da Silva.
Barbada? Era para ser. São 13 minutos até a Ramiro. Falar com o porteiro, subir ao 10º andar, entregar a mercadoria e dar troco demanda mais algum tempo. Além do transporte, é preciso somar o tempo para preenchimento de vias e para fazer o lanche.
Motoboy paga a conta de compra cancelado
Na Loureiro, a situação é diferente. Havia uma fila de pessoas para falar com o segurança na portaria. Na segunda entrada, nova fila para pedir autorização com o porteiro. A demora fez o cliente desistir da compra. A reportagem volta à base e descobre: nesses casos, quem paga a conta é o motoboy.
Gentilmente, o dono da empresa não cobra, mas a reportagem faz questão de pagar os R$ 19,20 pelos três cachorros-quentes.
Um motoboy, que preferiu não se identificar, afirma:
- Quando a gente erra uma rua, é um horror. Por isso que as vezes as pessoas vêem o motoboy fazendo contorno proibido, desesperado. Já imaginou se o cliente cancela três pizzas e a gente tem de pagar?
Numa das entregas, encontramos o motoboy Rodolfo Custódio, 44 anos, subindo apressado pelas escadas para fazer uma entrega. Numa rápida conversa, ele admite:
- Muita gente começa na profissão dizendo que não vai correr, mas isso não existe, é impossível. Olha que sou um dos que anda mais devagar, nunca sofri um acidente em 10 anos de profissão.
Rodolfo diz que consegue se policiar para reduzir a velocidade. Mas, para conseguir uma renda de cerca de R$ 1 mil ao mês, trabalha das 8h30min até as 23h30min.
Motoqueiros são solidários com colegas
Em seis meses como motoboy, Rogério Paiva, 23 anos, que também entrega cachorro-quente, já sofreu um acidente. Lesionou-se, mas se recuperou. Esperto, chega a fazer mais de 30 entregas por dia. Consegue faturar R$ 1,5 mil, mas gasta cerca de R$ 300 com gasolina, mais despesas de manutenção da moto.
Pode-se acusar o motoboy de muita coisa, mas nunca de falta de companheirismo. No papel de motoboy, a reportagem abordou vários "colegas de profissão", e todos explicaram com detalhes o melhor caminho para encontrar as ruas.
Em quase três horas como entregador de cachorros-quentes, a reportagem faturou R$ 21,30 - na verdade, foram R$ 14,91, os outros R$ 6,91 ficaram com o dono da empresa de telentrega, terceirizada pela lanchonete. A pedido do Diário Gaúcho, o dinheiro foi repassado aos motoboys que estavam trabalhando no local no horário.
Pagamento fixo mensal diminuiu acidentes
Depois de lidar com comida, a reportagem partiu para a entrega de documentos. Menos pressão?
- De jeito nenhum, parceiro! Os caras ligam sempre perto das 16h, e querem os papéis no banco até as 16h30min - resume o motoboy autônomo Carlos Renato Guimarães, 27 anos.
A maioria dos motoboys prefere não lidar com dinheiro. Carlos Renato é uma exceção. Até R$ 4 mil, ele leva ao banco para clientes. Mas cobra R$ 12, pois paga um colega motoboy para segui-lo como segurança, armado.
Em 2002, o empresário Luiz Carlos Mello chegou a pensar em abandonar sua telentrega. Tinha de lidar com uma média de 25 acidentes por ano com seus 35 motoboys. Foi quando resolveu deixar de pagar os funcionários por entrega (a chamada banda) e aderiu ao pagamento mensal, independentemente do número de viagens feitas. Resultado: em 2006, foram cinco acidentes.
Como é
• Sem carteira assinada
Pode ganahr até R$ 1,5 mil por mês, desde que faça 30 corridas por dia. Só que toda a manutenção e combustível é por sua conta.
• Com carteira assinada
Salário mensal da categoria -R$ 430 (jornada de oito horas diárias).
Aluguel da moto -R$ 375.
Benefícios -Segundo de vida e de invalidez, 13º salário e férias.
• Algumas gírias
Andar na lixa: correr, inclusive perto dos carros.
Calça branca: piloto que guia tão devagar que nem se suja.
Vendedor da Avon: não conhece as ruas. Deveria trabalhar de porta em porta, numa mesma rua.
Mão cortada: É bom com carro, mas ruim de moto.
Meia roda: mau piloto.
Enrolar o cabo: acelerar fundo (também usada por motociclistas em geral).
Por Renato Gava
O consumidor quer receber a comida quentinha, o empresário precisa entregar mais para vender mais e o motoboy precisa fazer mais entregas para aumentar a renda. Junte essa tríplice combinação a um total descaso no que diz respeito à regulamentação da profissão de entregador.
O resultado dessa fórmula é uma triste realidade: ano a ano, cresce o número de acidentes e de mortos entre os profissionais das duas rodas.
Até o dia 10 deste mês, 52 motociclistas haviam perdido a vida apenas nas ruas de Porto Alegre este ano. Uma média de mais de um por semana, mais de cinco por mês. A EPTC e o Sindicato dos Motoboys não têm números precisos, mas calculam que pelo menos 70% eram entregadores.
A reportagem do Diário Gaúcho passou um dia atuando como motoboy. Viu de perto os problemas da profissão e constatou: o sistema de trabalho é mais do que perigoso, é um convite à tragédia.
Primeiras entregas começam às 11h
Quarta-feira, 11h da manhã. Está prestes a iniciar o horário de pico de entregas de cachorro-quente, quando a principal casa do ramo em Porto Alegre começa a vender suas quase 200 unidades diárias. Com uma moto emprestada, a reportagem vai à base, na Rua Mariante, e pega as primeiras entregas. Uma na Rua Ramiro Barcellos, outra na Rua Loureiro da Silva.
Barbada? Era para ser. São 13 minutos até a Ramiro. Falar com o porteiro, subir ao 10º andar, entregar a mercadoria e dar troco demanda mais algum tempo. Além do transporte, é preciso somar o tempo para preenchimento de vias e para fazer o lanche.
Motoboy paga a conta de compra cancelado
Na Loureiro, a situação é diferente. Havia uma fila de pessoas para falar com o segurança na portaria. Na segunda entrada, nova fila para pedir autorização com o porteiro. A demora fez o cliente desistir da compra. A reportagem volta à base e descobre: nesses casos, quem paga a conta é o motoboy.
Gentilmente, o dono da empresa não cobra, mas a reportagem faz questão de pagar os R$ 19,20 pelos três cachorros-quentes.
Um motoboy, que preferiu não se identificar, afirma:
- Quando a gente erra uma rua, é um horror. Por isso que as vezes as pessoas vêem o motoboy fazendo contorno proibido, desesperado. Já imaginou se o cliente cancela três pizzas e a gente tem de pagar?
Numa das entregas, encontramos o motoboy Rodolfo Custódio, 44 anos, subindo apressado pelas escadas para fazer uma entrega. Numa rápida conversa, ele admite:
- Muita gente começa na profissão dizendo que não vai correr, mas isso não existe, é impossível. Olha que sou um dos que anda mais devagar, nunca sofri um acidente em 10 anos de profissão.
Rodolfo diz que consegue se policiar para reduzir a velocidade. Mas, para conseguir uma renda de cerca de R$ 1 mil ao mês, trabalha das 8h30min até as 23h30min.
Motoqueiros são solidários com colegas
Em seis meses como motoboy, Rogério Paiva, 23 anos, que também entrega cachorro-quente, já sofreu um acidente. Lesionou-se, mas se recuperou. Esperto, chega a fazer mais de 30 entregas por dia. Consegue faturar R$ 1,5 mil, mas gasta cerca de R$ 300 com gasolina, mais despesas de manutenção da moto.
Pode-se acusar o motoboy de muita coisa, mas nunca de falta de companheirismo. No papel de motoboy, a reportagem abordou vários "colegas de profissão", e todos explicaram com detalhes o melhor caminho para encontrar as ruas.
Em quase três horas como entregador de cachorros-quentes, a reportagem faturou R$ 21,30 - na verdade, foram R$ 14,91, os outros R$ 6,91 ficaram com o dono da empresa de telentrega, terceirizada pela lanchonete. A pedido do Diário Gaúcho, o dinheiro foi repassado aos motoboys que estavam trabalhando no local no horário.
Pagamento fixo mensal diminuiu acidentes
Depois de lidar com comida, a reportagem partiu para a entrega de documentos. Menos pressão?
- De jeito nenhum, parceiro! Os caras ligam sempre perto das 16h, e querem os papéis no banco até as 16h30min - resume o motoboy autônomo Carlos Renato Guimarães, 27 anos.
A maioria dos motoboys prefere não lidar com dinheiro. Carlos Renato é uma exceção. Até R$ 4 mil, ele leva ao banco para clientes. Mas cobra R$ 12, pois paga um colega motoboy para segui-lo como segurança, armado.
Em 2002, o empresário Luiz Carlos Mello chegou a pensar em abandonar sua telentrega. Tinha de lidar com uma média de 25 acidentes por ano com seus 35 motoboys. Foi quando resolveu deixar de pagar os funcionários por entrega (a chamada banda) e aderiu ao pagamento mensal, independentemente do número de viagens feitas. Resultado: em 2006, foram cinco acidentes.
Como é
• Sem carteira assinada
Pode ganahr até R$ 1,5 mil por mês, desde que faça 30 corridas por dia. Só que toda a manutenção e combustível é por sua conta.
• Com carteira assinada
Salário mensal da categoria -R$ 430 (jornada de oito horas diárias).
Aluguel da moto -R$ 375.
Benefícios -Segundo de vida e de invalidez, 13º salário e férias.
• Algumas gírias
Andar na lixa: correr, inclusive perto dos carros.
Calça branca: piloto que guia tão devagar que nem se suja.
Vendedor da Avon: não conhece as ruas. Deveria trabalhar de porta em porta, numa mesma rua.
Mão cortada: É bom com carro, mas ruim de moto.
Meia roda: mau piloto.
Enrolar o cabo: acelerar fundo (também usada por motociclistas em geral).