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Ver Versão Completa : Moto outra vez e em outros tempos.



Julio music
20-08-10, 12:21
Os carros e as outras motocicletas pareciam perseguí-lo como famintos e vorazes predadores com seus rugidos num crescendo contínuo, sobrepondo-se até mesmo ao ar que , despercebido ,desistia de oferecer-lhe resistencia. Seu deslocamento deveria ser uma das primeiras sensações agradáveis a serem reconhecidas após dez anos sem subir numa moto.
Eram outros tempos e a necessidade se impunha tão ditatorial e intensamente ,que já não sobrara espaço para o prazer em nenhuma atividade na exacerbada rotina daqueles dias. A retaguarda ameaçadora e as urgencias à frente não deixavam entrever a vida que desfilava sua invisível exuberancia em cada detalhe escondido nas luzes e sombras dos imperceptíveis amanheceres ,entardeceres e anoiteceres, exibicionistas diários como em strip teases para cegos, cujas mãos tivessem sido decepadas. Perguntava-se , sem ouvir ou pronuciar tal interrogativa, o que mudara tanto nesses dez anos que o afastaram da necessidade de usar aquele veículo como meio de transporte? Era a cidade ou as pessoas que a faziam mover-se como se suas ruas fossem tentáculos de um gigante, incapaz de segurar as várias presas que tentavam desvencilhar-se de sua indesejada obrigação de aprisioná-las.
Lembrava-se sem saudades, das diferenças que esses poucos anos produziam imperceptívelmente em si mesmo e em todos que conhecera à época e com os quais ainda mantinha contato. Percebia em todos, e supunha, fruto muito mais do desinteresse pela auto preservação física, advindo da necessidade de seguir a ditadura do enriquecimento e da subida ao pódium da disputa social,ou pelo conformismo produzido pelo abandono consensual que inesplicávelmente ,pelo menos a seu ver,assumem as pessoas, de todos os aspectos que seriam mantenedores da juventude do corpo e do espírito ,tais como a busca por definir o que se quer ser e a quem se quer ter na vida,do que pela ação do tempo, um comum e acelerado envelhecimento não apenas físico, mas, e sobretudo, de atitude , de sentir-se vivo, sentir-se apto, sentir-se ainda jovem , não vestindo-se, falando ou comportando-se caricatamente como jovem, mas e principalmente , querendo como jovens, sentindo-se, desejando, desejando aprender e percebendo quanto se cresce quando se aprende e quanto isso nos mantém pequenos que é a essencia do crescimento em sí.
Por que voltar a andar numa motocicleta e adotá-la como meio de transporte diário parecia a todos tão louco ou suicida assim nos dias de hoje? Claro, havia mudanças sgnificativas no comportamento das cidades, nos seu números auto multiplicáveis, nos seus reduzidos espaços que nunca serão suficientes para o quanto se acha que se precisa crescer, na sua falta de tolerancia , respeito e educação , na sua pressa em direção ao próximo stress , etc. Esses fatos subvertem a razão de existir de um veículo como aquele, que , provavelmente, fora criado não apenas para locomover ou transportar o homem e agora servia apenas para dar-lhe mais mobilidade e aumentar sua pressa. Pressa essa que anda de mãos dadas com o risco embora pressa e velocidade e risco , não sejam a mesma coisa. Nem velocidade e liberdade, ainda que, às vezes , uma seja convidada da outra.
Naquele dia,a sensação mais forte no entanto, mesmo acompanhada de uma imensa insegurança de primeiros metros, foi de intenso prazer, como uma volta a uma juventude que só a aventura e o bom risco , são capazes de proporcionar-lhe. Como se naquele desafio e justamente por sê-lo, estivesse a fonte da juventude, não importa nenhuma cronologia. Isso não é para ser contado, é para ser sentido,com todos os sentidos. Ouvir ,ver e tocar todos os riscos que é estar vivo e fazer parte de um mundo que precisa redescobrir a juventude. Fazer as coisas por fazer. Ou, se por necessidade, associar a isso o máximo de prazer. Moto é isso, prazer e transporte,ou transporte e prazer ou mais ainda transporte AO prazer.

blaugusto
20-08-10, 12:34
Show de bola, Julio!!!! :D

lucasfagundes
20-08-10, 12:36
Que bala cara, de quem é o texto?

Julio music
20-08-10, 12:46
O texto é meu mesmo. Desculpe não haver-me apresentado antes. Júlio Miranda de Salvador -Ba, 49, músico,tres filhos, casado pela terceira vez (ninguém é perfeito...rsrsr), andei de moto muitos anos atrás e há um ano resolví voltar a ter motocicleta. Atualmente é mais perigoso andar de moto, mas o que não é perigoso hoje em dia ? Nós, ( com nossas atitudes e a observação atenta das atitudes alheias ) ampliamos ou reduzimos esses riscos, mas o prazer de estar sobre uma moto compensa tudo isso. Um abraço a todos e obrigado por me receberem em seu convívio. :)

lucasfagundes
20-08-10, 13:15
Parabéns, baita texto!