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magnani
26-01-11, 08:25
MOVIMENTO CULTURAL DOS MOTOQUEIROS

A música que eu ouvia nos anos 80

Agora há pouco eu estava lendo a discussão em um grupo da internet que eu faço parte (M@D). Lá eram misturadas duas conversas: música dos anos 80 e motos. Resolvi escrever este texto para dar a minha visão sobre isso.

Eu fui adolescente nos anos 80. Isso significa que meu cabelo era mullet, usava ombreiras, jogava Atari e fazia minhas próprias animações no TK2000. Um pouco mais para o final da década nós vivemos a melhor época dos quadrinhos: Cavaleiro das Trevas, Electra Vive, A Queda de Murdock, Akira, Watchmen… eu tinha todas as graphic novels que foram lançadas. Morava em Florianópolis e vivia na banca da Rua Tiradentes.

Naquela década, por causa de alguma condição de mercado (Plano Cruzado?), qualquer banda podia lançar o seu disco. Até banda boa tinha chance! Não é como hoje em dia em que só as bandas populares conseguem algum espaço. Eu gostava de rock nacional: IRA!, Picassos Falsos, Mercenárias, Titãs, Replicantes, Camisa de Vênus, Plebe Rude, Barão Vermelho, Inocentes e um monte mais. Eu também gostava de algumas bandas que seriam consideradas “emo” hoje em dia: Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana e Violeta de Outono. Não tinha quase nenhum disco. Tudo em fita cassete que pegava emprestado.

Eu tinha raiva de umas bandas que apareciam na TV. Como o RPM, Magazine, Dr Silvana & Cia e Ultraje a Rigor. Elas estavam “traindo o movimento punk”, “traindo o movimento beatnik” ou qualquer outro movimento que me viesse à cabeça.

Só depois de velho é que consegui entender a inteligência e a importância de várias músicas do Ultraje a Rigor. A sátira política em “Inútil”, a crítica de costumes em “Independente Futebol Clube” e a ironia à indústria do entretenimento em “Mim Quer Tocar”. Eu não conseguia entender que era possível falar de coisas sérias através do humor.

Havia uma banda chamada Magazine, que vinha com letra e música bem simples. Fazia muito sucesso na TV. Eu achava aquilo um grande embuste. Uma das músicas mais famosas era “Eu Sou Boy”. Eu detestava. Achava ridículo. Mas, da mesma forma que aconteceu com a minha visão sobre o Ultraje, depois eu percebi que essa música dava voz, identidade e cara para um grupo desprezado: os office boys.


A Imagem dos Motoqueiros

Primeiro, para quem não acompanha os meus textos, quero deixar claro que eu considero “motoqueiro” todos que se relacionam com as motos: quem só passeia no final de semana, motoboys, mecânicos, mototáxis, quem usa só para ir ao trabalho, quem tem uma moto só até ter dinheiro para comprar um carro, quem tem moto porque adora pilotar. Andou de moto, é motoqueiro.

Segundo, esse slogan que eu defendo para o motoqueirismo, que “viver é bom e viver é arriscado”, não significa que devemos arriscar as nossas vidas. A idéia é aceitar que a vida é arriscada, cheia de imprevistos. Exatamente como um passeio de moto. Andar de moto representa que aceitamos os riscos da vida, não que criamos riscos desnecessários. Talvez seja algo meio budista, mas não entendo nada disso.

Voltando ao que eu queria falar, os principais movimentos culturais de motoqueiros foram os “Bikers” (América, anos 40/50/60), “Riders” (América, anos 60/70), “Mods & Rockers” (Inglaterra, anos 60) e “Bōsōzokus” (Japão, anos 70/80). Um outro movimento importante, mas sem nome, é aquele formado pelos pioneiros. Aqueles que pilotavam as motos nas primeiras décadas do século XX. Tinham que ser grandes mecânicos e viviam sujos de graxa. Gostavam principalmente das máquinas e da conquista da velocidade.

O número de Bikers, Riders, Mods, Rockers e Bōsōzokus é totalmente insignificante em relação ao número de pessoas que anda de moto. Só que a cultura deles é extremamente importante. Isso porque a imagem que os motoqueiros têm de si mesmos ainda vem deles. Isso acontece por causa dos filmes e das revistas especializadas, que insistem em mostrar o motoqueiro com alguma daquelas imagens do passado.

Bem, para não dizer que é só isso, tem também uma outra imagem: o motoqueiro bandido. Essa é a imagem vendida pelos jornais. A diferença em relação às outras é que não é incorporada pelos próprios motoqueiros. Serve apenas para discriminar quem anda de moto, como se fossem a causa de todos os males. Mas mesmo assim essa imagem não é tão nova assim, pois os bikers também são vistos do mesmo jeito. Nos anos 40 pós-guerra, muitos deles trabalhavam como entregadores, exatamente como os motoboys de hoje.

O problema é que os motoqueiros de hoje não conseguiram ainda criar sua própria cultura. Ficam tentando imitar essas culturas antigas. Mas não dá para copiar uma cultura, só uma imagem. Uma imagem não tem a força para criar um movimento que afirme as suas crenças (viver é bom e viver é arriscado) e não consegue se contrapor à estampa de bandido imposta pelos jornais.

A principal função dos jornais e revistas é trazer a verdade. Mas não é qualquer verdade, como “o gato subiu na árvore”. Isso é um fato, claro. Mas se um jornal escreve isso na manchete no mesmo dia em que um ministro foi condenado por corrupção, então esse fato (real) está escondendo a verdade. A imprensa deve trazer assuntos significantes para as pessoas e apresentá-los de forma balanceada. A partir dessa verdade é que as pessoas podem fazer os seus julgamentos. Não é papel da imprensa fazer o julgamento, apenas tentar transmitir a verdade da melhor maneira possível.

Outra função da imprensa é criar um senso de comunidade nas pessoas. Os jornais – que mostram motoqueiros só em crimes e acidentes – e as revistas – que só mostram produtos para consumo de motoqueiros – não estão conseguindo criar esse senso de comunidade, não estão conseguindo trazer a verdade de forma significante e balanceada. Não estão conseguindo repercutir a vida dos motoqueiros de uma forma plena.

Estamos dependendo apenas deles – jornais e revistas – para criar a nossa cultura. Deixam muito a desejar. Não somos apenas criminosos ou consumidores. Somos pessoas que decidiram viver de uma forma que espelha o próprio risco da vida. Isso não significa ser irresponsável. Isso significa aceitar que viver é bom e que viver é arriscado.

Um exemplo bem claro dos efeitos da falta de uma cultura nossa é como os acidentes de trânsito são vistos. Um motoqueiro jogar a moto sobre o carro é um ato de vandalismo. Um motorista jogar o carro sobre uma moto é uma tentativa de homicídio. São dois atos completamente diferentes. Eu acho impressionante que as pessoas não consigam ver isso desse jeito. É preciso uma nova cultura para que esse tipo de miopia fique evidente.

É legal imitar os bikers e os riders dos filmes, mas isso está impedindo a construção de algo novo. Precisamos de uma nova cultura dos motoqueiros. O Brasil tem uma condição completamente diferente da maioria dos outros países. Na América e na Europa, quase todos motoqueiros têm moto para lazer. Na maior parte dos países em desenvolvimento, quase todos têm motos para trabalhar. Aqui no Brasil, para variar, temos a mistura.


Movimento Cultural dos Motoqueiros

Já existe alguma produção cultural além do feito pelos jornais e revistas. Por exemplo, os encontros, corridas, várias tribos (trilheiros, sporters, harlleyros) e grupos da internet. Só acho que precisamos aumentar isso (sempre mantendo a diversidade). Para mim, o único meio que funciona mais ou menos são os grupos da internet, com a diversidade e a criação de uma mitologia própria. Só não tenho certeza se os motoboys e quem anda de moto a trabalho têm uma participação proporcional na internet.

O que eu chamo de movimento cultural é algo que vai além das tribos. Englobando, ao mesmo tempo que critica, a todas. Eu acredito que existem dois pontos comuns em quem anda de moto: a) do ponto de vista evolutivo, temos prazer com a aceleração, a velocidade, o som do motor, o nível de concentração e a posição de pilotagem; b) do ponto de vista cultural, defendemos a mensagem de que a vida é arriscada, ajudando a oxigenar a sociedade que tem a tendência de ter medo de tudo. O resto é completamente diferente: tem gente conservadora que se veste como rebelde (desrespeitando as mulheres, por exemplo), tem gente que tenta se matar em cima de uma moto (isso deveria ser levado mais a sério, pois a nossa sociedade está criando isso), tem gente que precisa se afirmar em grupos, fortalecendo o ego em vez de fortalecer a sua autenticidade, tem gente que faz trilha na lama, tem gente que só anda no final de semana, tem gente que anda de moto para trabalhar, tem gente que faz acrobacias.

Como exemplo do que eu chamo de produção cultural, tem um documentário legal feito nos EUA em 1971 que mostra vários tipos de motoqueiros, do domingueiro ao profissional: “On Any Sunday”. Parece até comédia no começo, pois mostra um cara bem gordo em uma minimoto; mas depois vêm crianças, quem está aprendendo, flat track, quem trabalha, corridas, trilhas, passeios no domingo… As roupas e bigodes da época são esquisitos, mas as cenas de moto são bem legais. O documentário só não representa os bikers e os riders, mas acho que é porque naquela época o que não faltavam eram filmes sobre esses outros caras. O documentário é coisa de americano, não tem o que a gente tem aqui. É só um exemplo. Mas eu penso que consegue mostrar alguma diversidade de estilos ao mesmo tempo que revela a essência do motoqueirismo.

Já pensou se a gente conseguisse fazer coisas assim por aqui? Documentários com grandes misturebas dos motoencontros, motoboys, caras tocando a boiada no norte, jovens de CG indo para a praia no domingo de manhã, caras de meia-idade fazendo viagens nas férias, pessoal das trilhas… Cada um falando coisas completamente diferentes, se vestindo dos mais variados jeitos, mas todos mostrando o que é a essência de andar de moto: gostar da pilotagem e espalhar a imagem de que vale a pena correr riscos. Isso sem contar filmes, livros, páginas na internet, músicas…

Esse movimento cultural que eu falo aqui neste texto é algo que afirma o que temos de comum (velocidade e imagem do risco), promove a diversidade (cada um com sua opinião, moda e música) e que tem a coragem de combater o que está errado (preconceito e ignorância).

Na minha pobre visão, seria muito legal colocar um pouco de fermento no movimento cultural dos motoqueiros. Nada formal ou estruturado, só todo mundo contribuindo do seu jeito. Multiplicando o que já temos de nosso por aqui. Colocar para ferver, tascar pimenta. Com músicas, livros, filmes, documentários, congressos, páginas na internet, teorias, linguagem própria, teatro, fotografia, artes plásticas, poesia, mitologia, respeito irrestrito às mulheres, diversidade de pensamentos, inclusão total de todas as minorias, lendas urbanas, símbolos, moda, fóruns de discussão, estilo de vida, defensores na mídia, representantes políticos, produtores culturais, revistas e festivais. Sem diferenciar motoqueiros, motoboys, motociclistas e profissionais da moto. Cada um falando o que quiser, sendo do jeito que quiser, mas sempre em cima de uma moto.

Às vezes uma única música pode fazer a diferença. Acho que chegou a hora de aparecer um outro Kid Vinil com a coragem de gritar “Eu Sou Motoqueiro”.

No mais, eu ainda não gosto de RPM e Dr Silvana & Cia.


[Texto extraído do blog Equilíbrio em Duas Rodas (http://www.fabiomagnani.com)]

Dias joao
26-01-11, 21:34
só não gostei de chamar engenheiros de bandas EMO, se bem que nasci no final dos 80 então não sei como era a época

blaugusto
26-01-11, 21:42
Excelente texto!

Li no M@D, Magnani. Estou acompanhando a discussão por lá.


Quem ainda não leu,. leia... é grande mas vale a pena! ;)

Dias joao
26-01-11, 21:45
falando em M@D, porque não dá pra se registar lá?

magnani
26-01-11, 21:50
Oi João, eu gostava e ainda gosto dos engenheiros. Mas eles não eram tão punks quanto os Inocentes, por exemplo.

Uma das coisas que mais me admiram no Gessinger é que quando ele foi gravar o Acústico MTV só colocou músicas "novas". Podia ter colocado só as "clássicas". Ganhou muitos pontos comigo.

Eu até coloquei uma dessas músicas no vídeo da nossa Grande Viagem: http://www.youtube.com/user/fabiomagnani#p/u/4/F5Hhv1FKvjw (http://www.youtube.com/user/fabiomagnani#p/u/4/F5Hhv1FKvjw.)

Oi Blaugusto. O negócio agora acalmou um pouco por lá... hehehe

Abraços. :)

juniorprotti
27-01-11, 09:44
textoo muuuito boomm...parabenss..

gessinger e legião é demais..

magnani
27-01-11, 13:08
Obrigado, juniorprotti. Bom receber um elogio no meio de um monte de tijoladas virtuais que estou recebendo em outros fóruns.

Mas é assim mesmo, né? Uma vez punk, sempre punk... ]:)

juniorprotti
27-01-11, 13:19
é..imagino emsmo como deve ser..mas voce ta de parabens..

isso..uma vez punk..sempre punk \0/

Carlos Roberto
27-01-11, 15:50
Também fui adolescente na década de 80. Na primeira metade da década curtia muito Raul Seixas e aquelas baladinhas internacionais. Era muito bom dançar com as meninas coladinho e cheirando o pescoço delas.

Depois veio as bandas de rock nacionais. Entrei num Grêmio estudantil no segundo grau, acompanhei a constituinte de perto e a luta pelas diretas.

Quanto aos jornais e revistas, elas são apenas representantes dos seus donos. Sempre foram. Claro que precisamos de notícias, mas antes disso, precisamos ter nossa própria idéia do que vivemos e como vivemos. Não adianta um jornalista escrever que em tal lugar é cheio de criminoso, se ele mesmo não vive isso ou nunca foi naquele lugar. Não adianta um jornal dizer que tal programa social é "bolsa miséria" se ninguém daquele meio de comunicação vive com fome e sem nada.

Não acredito em comentaristas. Acredito no que vejo.

Quanto aos motociclistas que nós somos, temos o direito de dizer o que queremos e nos organizar pra isso. Nisto eu acredito.

magnani
27-01-11, 16:10
Também fui adolescente na década de 80. Na primeira metade da década curtia muito Raul Seixas e aquelas baladinhas internacionais. Era muito bom dançar com as meninas coladinho e cheirando o pescoço delas.

Depois veio as bandas de rock nacionais. Entrei num Grêmio estudantil no segundo grau, acompanhei a constituinte de perto e a luta pelas diretas.

Quanto aos jornais e revistas, elas são apenas representantes dos seus donos. Sempre foram. Claro que precisamos de notícias, mas antes disso, precisamos ter nossa própria idéia do que vivemos e como vivemos. Não adianta um jornalista escrever que em tal lugar é cheio de criminoso, se ele mesmo não vive isso ou nunca foi naquele lugar. Não adianta um jornal dizer que tal programa social é "bolsa miséria" se ninguém daquele meio de comunicação vive com fome e sem nada.

Não acredito em comentaristas. Acredito no que vejo.

Quanto aos motociclistas que nós somos, temos o direito de dizer o que queremos e nos organizar pra isso. Nisto eu acredito.


Oi Carlos Roberto. Também prefiro acreditar no que eu vejo. O problema é que não dá para a gente ver tudo. Precisamos de alguém que nos conte o que viu. Os jornais e as revistas deveriam fazer esse papel. Mas não fazem, como você falou. Ainda bem que hoje em dia temos os grupos de discussão na internet, porque daí temos outras fontes de informação.

Como eu era de uma cidade pequena, não tinha muito acesso ao que estava acontecendo nas grandes cidades, como o movimento das diretas, por exemplo. O máximo que os jovens da cidade fizeram foi um bloco de carnaval com centenas de pessoas com a camiseta "eu quero votar para presidente". Bem, pelo menos já é alguma coisa, né?

Abraço. :)

Thyago Mahon Barros
29-01-11, 03:48
Pow brother, não é por nada não mas vc vai levar mais uma dúzia de tijolada minha: 1° vc está errado em relação ao motoqueiro, na realidade tem uma diferença entre motoqueiro e motociclista;
2° Nunca ouvi dizer que engenheiros era punk, nem emo;
3° pelo que eu saiba vc nunca foi punk e;
4° moletis é froid. :lol: :lol: :lol:

magnani
29-01-11, 07:25
Olá, Thyago. Deixa eu tentar me explicar melhor:

1 - Eu sei que as pessoas fazem diferenciação entre motoqueiro e motociclista. O meu argumento é que essa diferenciação é discriminatória, ruim. Embora a justificativa da divisão pudesse até ser aceitável (separar quem respeita as normas e quem não respeita), essa classificação na verdade é usada para separar pobre de rico. A minha opinião é que deveríamos acabar com ela.
2 - Eu disse que Engenheiros do Hawaii "seria" considerado emo hoje em dia. Dá uma olhada na letra de "Terra de Gigantes", por exemplo. O fato é que eu gosto muito deles. Eu não acho que eles eram emos. O comportamento do Gessinger, por exemplo, de não ceder à mídia, fazendo o que acha que deve ser feito, é muito legal. Mas acho que discutir esse tipo de detalhe acaba desviando o foco do tópico, que é falar de motos. Mas, se você quiser, podemos falar sobre música em outro lugar.
3 - Sobre esse negócio de punk, deixa eu colocar a frase no contexto em que foi utilizada. Bem, o negócio é que eu estava sofrendo ataques pessoais por causa de uma idéia que eu lancei - em outro fórum. Acho ruim esse tipo de ataque porque demonstra que alguns ambientes da internet, que aparentemente são democráticos, são extremamente conservadores e reacionários. As coisas até se invertem. Falar palavrão, ser incoerente ou agressivo, é ser normal. Agora, elaborar um pouco melhor a conversa, criticar o sistema ou dar opiniões novas, então é punk - agride e choca as pessoas. Engraçado. Pelo menos essa foi a única explicação que eu consegui arranjar para entender porque, ao lançar uma idéia, fui atacado pessoalmente.


Abraço. :)

jf k1
29-01-11, 14:43
falando em M@D, porque não dá pra se registar lá?

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